Francisco de Brito Guerra nasceu aos
dezoito dias 18 do mês de abril do ano
de 1777, na Fazenda Jatobá, Povoação de
Campo Grande (atual cidade de Augusto Severo-RN), pertencente a Freguesia da
Vila Nova da Princesa (atual cidade de Assu-RN). Filho de Manoel da Anunciação
de Lira e de Ana Filgueira de Jesus, Francisco de Brito Guerra inicia-se na
escolarização das primeiras letras com o Padre Luis Pimenta de Santana na Vila
Nova da Princesa. Aos doze anos muda-se com sua família para a Província de Pernambuco.
Lá aprende latim com o professor Manoel Antônio. (MELQUÍADES, 1987). E, em
1801, recebeu ordens sacras no Seminário de Olinda, vindo a assumir a Freguesia
da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó, da Vila do Príncipe em 1802
Nesses termos, esse trabalho
orienta-se pela história social de conformidade com Georges Duby (1976) e Peter
Burke (2002; 2003), atentando para o estudo das esferas da cultura, da economia
e da sociedade na vida em comunidade, seus modelos e mecanismos, códigos e
comunicação histórica e social. Bem como pela perspectiva de Labrousse (1973),
que apresenta um delineamento à história social como constituída pelas
intersecções entre cultura material e cultura mental, em sentido bem amplo,
possibilitando a análise a partir do econômico, do social e do mental.
Assim, a compreensão da relação de
Brito Guerra com a Vila do Príncipe se inscreve em uma forma de conceber a
história social que destaca em um destino individual ou de um grupo a complexa
rede de relações nos quais se inscrevem.
Em 1800, aos 23 anos de idade,
Francisco de Brito Guerra ingressa na primeira turma do Seminário Episcopal de
Nossa Senhora da Graça de Olinda. E, em dezembro de 1801, aos 25 anos de idade,
foi ordenado eclesiástico. Sua primeira celebração eclesiástica ocorreu a 2 de
fevereiro de 1802 na Povoação de Campo Grande, onde nascera. E, no primeiro
domingo do Advento do mesmo ano o Brito Guerra era consagrado vigário da
Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó em substituição ao padre
Francisco Xavier de Vasconcelos Maltez. (MEDEIROS FILHO, 2002).
Na condição de vigário da Freguesia da
Gloriosa Senhora Santa Ana, com sede na Vila do Príncipe, o padre Brito Guerra,
como bem ficou conhecido, começa a imprimir sua relação com a Vila do Príncipe
a partir de suas ações e lugares como vigário, visitador apostólico e delegado
do Crisma na Província do Rio Grande do Norte e da Paraíb
Essa relação do sujeito com o lugar se
expressa em ações como melhoramentos no prédio da Matriz da Senhora Santa Ana,
em 1805, mas também a partir das sociabilidades afetivas que empreendia.
(MONTEIRO, 1945). Nesse ano, 1805, ganharia destaque na vida e nas
sociabilidades que o padre estabelecia com a cidade o nascimento de Manuel
Daniel Simões, filho de Joana Maria da Rocha e, reconhecido por ele em
testamento como seu primeiro filho:
Como pastor dos fregueses da Senhora
Santa Ana, Brito Guerra foi reconhecido como exímio condutor de seu rebanho
pelo Visitador padre Inácio Pinto de Almeida e Castro, delegado dos Crismas dos
sertões baixos do norte, em visita a Matriz de Santa Ana, realizada em 26 de
setembro de 1809. Tal reconhecimento sustentava-se em ações como a construção
de mapas estatísticos referentes a Freguesia da Gloriosa senhora Santa Ana do
Seridó. Esses mapas apresentavam numericamente dados relativos aos casamentos,
nascimentos e mortes da população assistida pela freguesia, o que possibilita
conhecer a realidade demográfica “[...] para efeitos de maior controle sobre as
despesas e arrecadação de dízimos, pois além da relação dos clérigos, capelas,
ermidas e oratórios, com suas distâncias da sede do bispado, o documento ainda
quantifica por freguesia o número de fogos e ‘pessoas de desobriga’ (fregueses
que participavam das celebrações pascais).” (MACÊDO, 2007, p. 204-205)
O compromisso de conduzir os fregueses
devotos da Senhora Santa Ana, possibilitou ao padre Brito Guerra, em 1810,
viajar à Corte para submeter-se ao concurso para provimento do cargo de vigário
colado da Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó (sacerdote fixo, na
época nomeado pela Coroa). (MACÊDO, 2007; MEDEIROS FILHO, 2002).
Dessa forma, a vida de Brito Guerra e
a sua relação com a Vila do Príncipe está de acordo com o entendimento que vida
e contexto histórico estão colados, pois construir uma biografia é
indispensável reconstruir o contexto, a superfície social que o individuo age,
na pluralidade de campos de cada instante. (BOURDIEU, 1998)
Regressando da Corte, já na condição
de vigário colado, Brito Guerra, inicia a construção de uma residência
assobradada. Essa construção, somada a reconstrução da igreja, ao prédio
destinado à Casa da Câmara e Cadeia Pública representava melhoramentos
urbanísticos à Vila do Príncipe. A construção de sobrados para a elite da
Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó “[...] só foi possível com a
mobilização de recursos humanos e financeiros para a fabricação de tijolos e
mestres de obras que dominassem a técnica da construção de prédios de dois
pavimentos.” (MACEDO, 2007, p. 151).
Nesses termos, provavelmente, o
primeiro sobrado construído no território da Vila do Príncipe tenha sido o do
padre e depois Senador do Império, Francisco de Brito Guerra. O sobrado tinha
sessenta palmos de frente e cinco varandas de ferro. A edificação fora construída
ao lado da Matriz da Gloriosa Senhora Santa Ana.
O Frei Caneca, que esteve em 1824 no
Príncipe, fugindo das tropas realistas que reprimiam a Confederação do Equador,
quando de sua passagem pela vila fez a primeira descrição dessa:
A casa do vigário, como se referiu o
Frei Caneca, ao domicílio do padre Brito Guerra, por testamento, de 20 de
novembro de 1844, foi legada aos dois sobrinhos padres: Francisco Justino
Pereira de Brito e José Modesto Pereira de Brito. Com essa construção Brito
Guerra (de)marcava um espaço de vivência e de representação na urbe.
(TESTAMENTO DE FRANCISCO DE BRITO GUERRA apud MEDEIROS FILHO, 2002).
O sobrado, ainda hoje, apresenta-se
como um lugar de memória evocativo da relação de Brito Guerra com a cidade,
isso se deve, não necessariamente ao fato do referido sobrado está soerguido,
mas também a histórias que povoam a memória dos seridoenses.
É elucidativa da “fragilidade humana”
outrora indicada em testamento pelo padre Brito Guerra o episódio do
“lobisomem” ou “burrinha” que aterrorizava as ruas da Vila do Príncipe na
década de 1820. Manoel Dantas (1941) bem ressalta que, sendo Brito Guerra um
santo varão que dirigia suas ovelhas segundo todos os preceitos do evangelho,
mas que se quebrava aos encantos e requebros de uma gentil e sensual mulata,
cujo marido, sabedor das preferências do padre, julgou-se honrado. E, nos dias
em que a mulata fosse levar ao padre os confortos da carne, o marido se
fantasiaria de burrinha ou lobisomem para evitar que se saíssem à rua quaisquer
um.
Esse pastor, que expressou sua
“fragilidade humana” e que é rememorado a partir de narrativas como essa, em 20
de julho de 1833, foi nomeado Visitador nas Províncias do Rio Grande do Norte e
da Paraíba, pela provisão de João da Purificação Marques Perdigão, Bispo de
Pernambuco. Enquanto visitador, era a jurisdição da Freguesia da Gloriosa
Senhora Santa Ana que Brito Guerra fazia ser conhecida e respeitada. Essa
freguesia que pela Lei Provincial nº 15 do ano de 1835 tem a capela de Nossa
senhora da Guia do Acari elevada a categoria de Igreja paroquial. Pela condição
de Visitador e Delegado do Crisma, Brito Guerra determina que sejam
considerados fregueses de Santa Ana do Seridó “[...] os moradores do território
que fica além do rio Piranhas, da parte do poente, de conformidade com os
termos da Lei Provincial nº 17, de 23 de março de 1835.” (apud MEDEIROS FILHO,
2002, p. 254)
Assim, na primeira metade do século
XIX, Brito Guerra tem na Vila do Príncipe e em práticas religiosas como
batizados, casamentos, missas visitas pastorais, sepultamentos e outras o
estabelecimento de uma estreita relação do sujeito com a cidade e suas
experiências urbanas.
Na esfera política a relação de Brito
Guerra com a Vila do Príncipe dava-se por sua atuação como deputado provincial
e geral, bem como Senador do Império. Na política falava do lugar social e
institucional de religioso, de vigário colado e morador da Vila do Príncipe,
intimamente associado e envolvido por questões da (de)marcação dos limites
entre o Rio Grande do Norte e a Paraíba.
Brito Guerra assumiu o pastoreio do
Seridó em 1802 e, no início da década de 1830 encampa uma participação direta
no campo político provincial, cujas relações de poder eram, por ele, delineadas
a partir da Vila do Príncipe e do Seridó.
O padre Brito Guerra, como vigário do
Seridó, proprietário de destacado sobrado na Vila do Príncipe e exímio
latinista constituir-se-ia como notado político a época do Império no Brasil.
Já em 1825, Brito Guerra concorre para
as eleições de Deputados Gerais que legislariam no período de 1826 a 1829
realizadas na Casa das Sessões do Senado da Câmara da Cidade da Paraíba.
Obtendo 9 votos, Brito Guerra não é eleito.
Mas, em 1828, realizaram-se as
eleições para o Conselho Geral da Província, à sua segunda legislatura (1830 a
1833); o padre Brito Guerra foi eleito como representante do Sertão do Seridó –
no entanto, essa cadeira só seria assumida em 1833.
Em 1834 ocorrem as eleições para a
primeira legislatura da Assembleia Legislativa Provincial, sendo Brito Guerra
eleito e, na primeira sessão, em 31 de janeiro de 1835, escolhido para
presidi-la. Permanecendo dessa forma até 20 de março do mesmo ano quando Brito
Guerra ausenta-se da presidência da Assembleia Legislativa Provincial para
assumir o mandato eletivo na terceira legislatura da Assembleia Geral do
Império
Brito Guerra, em 1836, assumia como
senador em substituição ao falecido Afonso de Albuquerque Maranhão. Em 1837,
seu nome consta na lista tríplice para escolha de Senador Vitalício do Império
e, sua nomeação como senador vitalício do Império do Brasil ocorreu a 12 de
julho de 1837.
Lembremos que Brito Guerra escreve sua
história política colada ao espaço Seridó, pois, já em 1831 quando poma posse
como deputado geral à Câmara Temporária ou Assembleia Geral do Império, Brito
Guerra é autor do projeto de lei que estabelece os limites da Vila do Príncipe
da Província do Rio Grande do Norte. Esse projeto de lei confirmava os limites
estabelecidos em 1788 quando da criação do município e referendava os mesmos
limites estabelecidos com a criação da Comarca do Rio Grande do Norte.
Assim, a Lei de 25 de outubro de 1831
que deliberava sobre os limites entre as Províncias do Rio Grande do Norte e
Paraíba, nasceu do projeto de Brito Guerra. Confirmando, pois, que dos
rascunhos coloniais as impressões dos limites territoriais a história do Rio
Grande do Norte passa por questões políticas e territoriais.
Em 1818, a Província do Rio Grande foi
desmembrada da Comarca da Paraíba, motivo pelo qual gerou disputa de poder pelo
território que compreendia a ribeira do Seridó. Disputa que perdurou até 1831,
quando o Deputado Geral Padre Brito Guerra, empreende junto a Câmara dos
Deputados a demarcação do Distrito da Vila Nova do Príncipe. (AUGUSTO, 1954).
Essa questão de limites ente o Rio
Grande do Norte e a Paraíba se prolongaria até 1835, ano em que fora delimitado
o território do Seridó, fazendo-o definitivamente pertencer à Província do Rio
Grande do Norte, acabando com a polêmica com a Paraíba, que reivindicava essa
porção espacial para si.
Brito Guerra, seja como deputado da
Assembleia Geral do Império ou Senador não só representara politicamente o
Seridó e o Rio Grande do Norte como também se fixava como um mediador cultural
entre a Corte e a região e de forma mais estrita a Vila do Príncipe. Pois, não
se pode negar que há um estilo próprio a uma época, um habitus que resulta de
experiências repetidas e comuns em cada época. (LEVI, 1989)
Brito Guerra como portador olímpico da
tocha latina implanta a escola de Gramática Latina (possivelmente em 1803).
Nesse contexto, a educação escolar no Reino e nos domínios lusitanos estava
regida pelo Alvará de 28 de junho de 1759, que reformou os Estudos Menores
referentes ao ensino de Primeiras Letras e de Humanidades de Gramática Latina,
Retórica e Grego. Por esse alvará, bem como pela lei de 6 de novembro de 1772
autorizada por Sebastião José de Carvalho, o Marquês de Pombal, ministro de Dom
José I. Dessa forma, ficava estabelecido a atualização da literatura escolar e
a introdução da língua portuguesa nas classes de Latim ou de Gramática Latina,
as quais deveriam funcionar em classes abertas e gratuitas. (ARAÚJO, 2006).
Assim, o Padre Guerra ao criar a
Escola de Gramática Latina, “[...] destinou-a ao preparo dos filhos das elites
pecuarísticas. Essa Escola atraiu alunos da zona do Seridó e também das
províncias vizinhas.” (ARAÚJO, 2006, p. 16).
Seja como responsável pela instalação
da Escola de Gramática Latina, em 1803, como professor ou como deputado geral
do Império Francisco de Brito Guerra esteve intimamente associado a educação na
Vila do Príncipe. Em 1832, como deputado geral pelo Rio Grande do Norte, foi
responsável pela apresentação de um projeto de lei que propunha a criação de
uma cadeira de Gramática Latina na Vila do Príncipe. A aprovação da lei ocorreu
a 7 de agosto de 1832, e foi sancionada pela Regência em nome do Imperador Dom
Pedro II.
Assim, com a criação da Cadeira de
Gramática Latina em 7 de agosto de 1832, também ficava estabelecido o ordenado
do professor que seria de 3000$000 anuais. A posse do professor de latim
Joaquim Apolinar Pereira de Brito, sobrinho de Brito Guerra, é empossado em 1º
de agosto de 1836
O nome Francisco de Brito Guerra se
inscreve na história educacional da Vila do Príncipe por suas iniciativas e
práticas de implantação e de regulamentação do ensino de latim, responsável,
por ser “[...] núcleo irradiante da sabedoria sertaneja em toda a região do
Seridó.” (REVISTA CAICÓ, 1978, p. 10).
Assim, a escola de Gramática Latina e
posteriormente, Cadeira de Gramática Latina expressam por sua notoriedade e
longevidade a importância da ação e atuação de Brito Guerra no campo
educacional na Vila do Príncipe e sua circunscrição.
Francisco de Brito Guerra escreve seu
nome com grafias religiosas, políticas e educacionais na história e na memória
da Vila do Príncipe, mas essa escrita não se encontra fechada nesses limites,
pois foi atuando como vigário colado da Freguesia da Gloriosa senhora Santa Ana
do Seridó, como Visitador Apostólico do Rio Grande do Norte e da Paraíba, como
deputado provincial e imperial, como senador do Império e professor de latim
que esse sujeito grafa, letra a letra, seu nome na relação estreita, mas também
ampla, com a Vila do Príncipe.
Assim, a relação de Brito Guerra com a
Vila do Príncipe se distribuiu pela intersecção de vida religiosa, com a
econômica, a política, a social, a educacional, enfim, composições afetivas nas
convivências hierarquizadas das instâncias de sociabilidades formativas,
situadas nas moradas familiares, nas igrejas, nos funerais, sítios e fazendas,
nos estabelecimentos e instituições públicas e privadas
No campo religioso, de 1802 quando
assume o pastoreio da Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó até
1844, ano de sua morte, Brito Guerra atuou como zeloso pastor que conduziu seus
fregueses perante sociabilidades e práticas religiosas e sócioculturais
referentes a doutrina cristã
Como político, assumiu diversos cargos
em níveis provinciais e imperiais, o que lhe exigia diversas vezes está ausente
dos limites da Vila do Príncipe, mas sempre legislando em função de projetos
locais e regionais como fora por ocasião dos projetos de lei responsáveis pela
demarcação de limites entre as Províncias do Rio Grande do Norte e da Paraíba,
bem como no tocante a aprovação da Cadeira de Gramática Latina para a Vila do
Príncipe.
Quanto ao campo religioso, Brito
Guerra e a Vila do Príncipe estabelecem um elo corporificado pela e na formação
da mocidade na cultura clássica com uma educação estética e retórica, moral e
cívica
Nesses termos, compreendemos que a
relação de Brito Guerra com a Vila do Príncipe expressa nesse trabalho não pode
ser apreendida como um todo de formas coerentes e orientadas, mas como uma
expressão unitária de uma leitura intencional
FONTE
- OLIVIA MORAIS DE MEDEIROS NETA*